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Senhor Folk e dona Lore: o coração do folclore nordestino

Atualizado: 27 de mai.




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“Eu tenho voz de coruja

De onde vem minha sapiência:

O molejo da raposa

É a minha consciência;

Só não sou gato por lebre

Pois sou pura insistência”

(Marcus Vinicius) 



É preciso falar do ontem, do hoje, do amanhã. Das coisas que aconteceram, do que estar acontecendo e do que vai acontecer, porque a vida é um eterno plantio: preparar o terreno, plantar as sementes e colher os frutos. Nós somos seres de passado, de presente e de futuro, isso é fato inconteste. Pense! Acaso e destino se intercruzam nesses vieses de realizações, de história de vida da humanidade, da linha do tempo que vai atravessando as estações, os estados, as ações dos sujeitos e os fenômenos dos contextos de interação das gentes em seus territórios e superfícies de socio interação.

O que já aconteceu serve para que no discurso a gente possa afirmar: eu experimentei, passei por isso, tive ciência e foi muito bom, ou foi uma experiência que não desejo repetir. Ter o passado como uma medida das coisas que existiram, mas que mudaram ao longo de um contexto de mudanças. A vida muda, as pessoas mudam, as coisas do presente não são as mesmas coisas do ontem. Existem as novas invenções, as novas facilitações, as releituras das coisas que passam por um contexto social, cultural, histórico, econômico, político e por tantas outras demandas existentes na sociedade. Tais demandas podem se configurar no processo de produção de cultura pelo ser humano, por toda essa humanidade arraigada de pensamentos, de sentimentos e de ações. Nada que não tenha a sua simbologia, o seu engajamento, a sua natureza de modificar atitudes, hábitos, expressões e contextos de convivência. Para Brandão, 1986

O trabalho de transformar e significar o mundo é o mesmo que transforma e significa o homem; é uma prática coletiva. É uma ação socialmente necessária e motivada e a própria sociedade em que o homem se converte para ser humano é parte da cultura, no sentido mais amplo que é possível atribuir a esta palavra. Também a consciência do homem, aquilo que permite a ele não apenas conhecer, como os animais, mas conhecer-se conhecendo, o que lhe faculta transcender simbolicamente o mundo da natureza de que é parte e sobre o que age, é uma construção social que acompanha na história o trabalho humano de agir sobre o mundo e sobre si mesmo. (BRANDÃO, 1989, p. 23).

 

O que ficou no passado poderá vir até o presente pela insistência, pela resistência, pela re-existência agregada aos processos culturais de promoção da vida humana. Enquanto criança, as brincadeiras, os jogos, as cantigas de ninar, os jogos cantados, os brinquedos inventados com material de artesanato, reaproveitável, tudo isso vai ficando dentro do imaginário de quem atravessou esse tempo. Por mais que chegue o tempo das brincadeiras e dos brinquedos mais sofisticados pelas invenções tecnológicas, as memórias afetivas e tantas outras memórias marcam esses instantes para o resto da vida. Assim acontece com utensílios, com objetos, peças de roupas e acessórios, como também com as manifestações culturais dos povos envolvidos nessas construções. Ao tempo que passou e as criações culturais da zona rural e da zona urbana, a gente aprendeu a chamar de folclore. O que seria folclore nesses termos: as várias formas de conhecimentos atrelados ao desenvolvimento e ao desempenho humano com viés de subsistência e condição humana para a fertilidade das relações de interação social.

Não é o que estar em estado de inércia, desaparecido, em desuso pela humanidade, mas aquilo que aflorou do anonimato, da espontaneidade, da oralidade, do desejo de satisfação dos sujeitos das comunidades, da transmissão de geração para geração, é o que foi cultivado e que ainda pode ser colhido pelos interesses subjetivos, plurais e coletivos dos membros de dada comunidades. Folclore é também patrimônio imaterial pela sua significação e expressão de valor conquistado ao longo se uma trajetória de pertencimento e de arrasamento dos elos estabelecidos para os Itinerários de avanços dos modos de ser de cada povo com suas expressões cênicas, dramáticas, burlescas, performativas, prazenteiras, do corpo poema e da prosopoética do encantamento do ser a partir do saber-ser, saber-dizer, saber-atuar nas mais diversas e variadas condições designadas pela vida.

A história da humanidade tem os seus percalços, foi escrita pela necessidade e pelas invenções ocasionadas pela passagem do tempo, suas implicações e desenvolvimentos para o agasalhamento da vida e suas nuances: o homem descobriu a argila, com ela passou a moldar e criar utensílios, dos utensílios o que conhecemos como artesanato - toda a arte produzida pelas mãos, com as mãos, a forma de partir daí o que denominamos de monocultura. Assim como o artesanato, várias outras formas de satisfação, diversão, compostura, processos de interação entre os sujeitos de uma dada realidade com o propósito de ser algo plural, a serviço da coletividade. Podemos pegar outros aspectos da vida como o desenvolvimento da agricultura, da pecuária, da vida em comunidade, das trocas de favores, do desenvolvimento da oralidade. Assim é possível compreender essa cultura folclórica que estamos a defender como aquilo que é inerente ao desenvolvimento da humanidade.

Quando afirmamos ser um fato anônimo, estamos dentro da perspectiva de que as coisas surgem no meio da comunidade, tornam-se úteis para o desenvolvimento deste e não é preciso que se diga de quem é a autoria, mas saber que, na prática, no uso do cotidiano, existe a utilidade de servir a todos e todas. Assim como na fábula da formiga e da cigarra, a cultura folclórica é formada desses dois lados que formam uma dicotomia: trabalho e diversão. Para um melhor entendimento, é possível fazer uma divisão do folclore para o melhor estudo e compreensão dessa forma de conhecimento, como nos alerta Deífilo Gurgel: 1. Usos e Costumes; 2. Crendices e superstições; 3. Folguedos Populares; 4. Literatura popular; 5. Artes e técnicas; 6. Folclore infantil.

Depois dessa abordagem primária, podemos pensar e mapear o folclore na territorialidade da cidade de Mossoró para bem compreender os fatos, as situações, os contextos, as personalidades, as manifestações e expressões, assim como as localidades que perpassam a cultura folclórica local. Diante dos fatos, a cidade de Mossoró já foi mais rural semelhante a tantas outras localidades que passam pelo processo de urbanização e desenvolvimento mais acelerado. Por aqui, a agricultura, a pecuária, o trabalho com o couro, a pesca, dentre outras ações e movimentos são elementos formadores da cultura local. Nesses termos, podemos ir mapeando alguns elementos culturais dessa terra que a torna conhecida por esses feitos.

Se pegarmos pela culinária, o costume da população de amanhecer nos mercados para o consumo da buchada, da panelada, dessa iguaria na madrugada, nas primeiras horas do dia. É compreendido que outras iguarias estão sendo incrementadas, como o pastel com a vitamina de goiaba.  Nas manifestações culturais temos o urso como expressão da cultura carnavalesca da cidade, iniciada desde os anos cinquenta, chegado a, segundo especulações, como sendo uma LA  URSA e com o passar do tempo ganhando linguagem e imagem próprias. Ainda do carnaval: seu Duite, o homem do chocalho, os grupos de representação indígenas, o Maracatu e os bonecos gigantes.

Mas não podemos viver apenas da romantização das situações e da data celebrativa. É necessária a luta do reconhecimento dos grupos designados como folclóricos através das políticas públicas de valorização, respeito e incentivo à cultura. Esses grupos não são bibelôs de cristaleiras ou enfeites de salas, estantes e museus. São as nossas corujas, os que carregam a nossa ancestralidade e toda a sabedoria herdada da vida nos seus anos de resistência. O que acontece é que a medida que estes grupos são estigmatizados como sendo de periferia ou popular, o olhar do descaso se instala para diminuir o valor estético da manifestação, atribuindo um valor pejorativo de que estes não necessitam de serrem renumerados dignamente para ter seu lugar de fala na sociedade em geral.

Dizer do folclore é falar da alma de um povo, de sua existência e de suas marcas. Não apenas do que passou, mas do que ainda se passa no hoje, no presente, naquilo que foi inventado lá no passado, mas que ainda existe, resiste e re-existe até os dias de hoje.

 


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Marcus Vinicius

Professor mestre em ciência sociais,

escritor e contador de história.

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